Pular para o conteúdo principal

Onda de manifestações contra Alckmin no meio acadêmico

2º turno causa uma profusão de manifestos e declarações de posicionamento frente à disputa entre PT e PSDB nas universidades. Maioria das manifestações é de apoio a Lula ou, no mínimo, de repúdio ao tucano.

Maurício Thuswohl - Agência Carta Maior

RIO DE JANEIRO - Esqueçam de vez aquele papo de "silêncio dos intelectuais". Desde que foi confirmado que o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o tucano Geraldo Alckmin voltariam a se enfrentar no segundo turno das eleições presidenciais, o mundo acadêmico começou a se movimentar de uma maneira que não havia sido vista, até então, na campanha eleitoral. O resultado disso é uma profusão de manifestos e declarações de posicionamento frente à disputa entre o PT e o PSDB. Exceção feita aos setores minoritários da Academia que apóiam o projeto neoliberal, a quase totalidade das manifestações vindas das universidades é de apoio a Lula ou, no mínimo, de repúdio ao candidato tucano. Elaborados em centros importantes como a USP, a UFRJ, a URGS e a Uerj, entre outros, os manifestos têm sua circulação potencializada pela Internet e já contam com centenas de assinaturas em todo o Brasil.

Um dos primeiros manifestos em favor de Lula a circular no meio acadêmico nasceu no Instituto de Biofísica da UFRJ e traz a declaração de apoio de diversas pessoas que votaram em Cristovam Buarque (PDT) ou Heloísa Helena (PSOL) no primeiro turno, além de outros que vão repetir o voto no PT.

Elaborado inicialmente pelo professor Adalberto Vieyra, que é diretor do Instituto e um intelectual historicamente ligado a Leonel Brizola e ao PDT, o manifesto reúne assinaturas de "professores universitários, pesquisadores, técnicos e profissionais de diversas áreas das ciências naturais e sociais, das ciências aplicadas e matemáticas, da tecnologia, da filosofia, das letras e artes, que nos identificamos com as idéias de mudanças forjadas na resistência à ditadura e na construção da democracia no país".

O manifesto é claro no repúdio à volta do projeto político do PSDB ao poder: "Neste momento em que se disputa o 2º turno, que confronta a posição reformista moderada representada pela reeleição de Lula com o neoliberalismo explícito do candidato de oposição, nos sentimos no dever, como intelectuais e membros da comunidade acadêmica, científica e tecnológica, de declarar publicamente nosso apoio à reeleição de Lula", diz o documento. Os intelectuais da UFRJ apontam como fator positivo do governo Lula o aumento do diálogo com os movimentos sociais _ "ampliou-se o espaço, mas é preciso ir adiante!" _ e afirmam que "a política externa deve ser mantida em suas linhas gerais".

Nem tudo, é claro, são elogios. O manifesto também sugere algumas mudanças de rumo para o segundo mandato de Lula, como redução da taxa de juros, aumento dos investimentos em infra-estrutura e mudanças no Bolsa-Família: "Foi fundamental este governo sustar as privatizações, que foram eivadas de corrupção. Esperamos também que o novo governo estabeleça padrões mais rígidos e transparentes para o controle da administração pública, de modo a evitar desvios éticos envolvendo membros do governo com partidos e membros do Congresso", termina o manifesto, que conta com as assinaturas de Luiz Pinguelli Rosa, da COPPE, e de Eliane Brígida Falcão, do Centro de Ciências da Saúde, entre outras.

Trezentas assinaturas

Elaborado na USP, o manifesto que atingiu maior alcance nacional até agora é intitulado "Dizemos não a Geraldo Alckmin!" e, segundo seus organizadores, reúne intelectuais simpatizantes do PSTU, do PSOL, do PT, do PCB, do PCdoB e do PDT. Circulando há apenas dez dias, o manifesto já conta com mais de 300 assinaturas vindas de universidades como UNB, Unicamp, Unesp, UFMG, UFPB, UFPR, UFSCar, UFF e PUC-SP, além das já citadas.

O documento começa de forma direta: "Nós, professores universitários, vimos a público afirmar que não há justificativa alguma para levar novamente Geraldo Alckmin e seu partido à Presidência da República. Embora com tendências políticas distintas e posições eleitorais muitas vezes divergentes, estamos unidos pela mesma certeza de que a candidatura Alckmin não representa, sob nenhum aspecto, a implementação dos avanços necessários ao desenvolvimento econômico com justiça social. Ao contrário, Geraldo Alckmin no poder será o coroamento de um retrocesso direitista que ficou claro em seu discurso eleitoral, todo ele baseado em bravatas contra impostos e 'gastança' pública, promessas de redução do Estado, de reformismo infinito da previdência e laivos de indignação contra a corrupção (cujo duto iniciou-se em seu próprio partido). Com essas propostas ele nada mais fará do que um candidato de direita faria em qualquer parte do mundo".

O manifesto também rejeita a política neoliberal dos tucanos para as universidades: "Para nós, professores, é claro que um possível governo Geraldo Alckmin será a reedição dos anos FHC com sua política de sucateamento das universidades públicas. Vale a pena lembrar que, sob o PSDB, as universidades federais chegaram a um déficit de sete mil professores, sendo que muitas delas terminavam o ano sem dinheiro para pagar sequer contas de luz. Nas universidades estaduais paulistas, esta política educacional desastrosa foi seguida à risca por Geraldo Alckmin quando governador de São Paulo", diz o documento, que traz as assinaturas dos professores Marilena Chauí, Paul Singer, Maria Victoria Benevides, Venício Lima e Wolfgang Leo Maar, entre outros.

Usando a internet

Alguns renomados intelectuais de esquerda procuram utilizar a linguagem ágil da internet para fazer sua mensagem ir mais longe. Num texto curto, como pedem os tempos modernos, e intitulado "Não à Direita Tucano-Pefelista", Emir Sader, Carlos Lessa e Leandro Konder (outras adesões ainda virão) cutucam a ferida: "O Brasil corre um sério risco de um enorme retrocesso histórico. Aqueles que privatizaram importantes recursos do patrimônio público, que estenderam como nunca o setor privado na educação, que fizeram do nosso país um aliado dócil e subordinado dos EUA, que criminalizaram e reprimiram aos movimentos sociais, que acentuaram ainda mais a desigualdade, a injustiça e a exclusão social - entre tantos efeitos perniciosos de suas políticas - pretendem retomar o governo. Diante desse risco, os brasileiros têm que deixar de lado diferenças, para se somar e impedir que esses tempos sombrios para nosso país retornem, derrotando o candidato do bloco tucano-pefelista no segundo turno das eleições presidenciais deste ano", diz o manifesto.

Outro manifesto surgiu em São Paulo, desta vez motivado pelos debates promovidos pela Carta Maior sobre o futuro da esquerda no Brasil. Intitulado "Pela Reeleição do Presidente Lula", o documento, que ainda está em fase de recolhimento de adesões, já traz as assinaturas de Hélio Bicudo, Faustino Teixeira, Juarez Guimarães, Flávio Aguiar, Olgaria Matos e Sandra Vasconcelos, além dos já citados Emir Sader e Marilena Chauí. O manifesto consiste em dez pontos (reproduzidos abaixo) com pedidos "para que o Brasil avance e não regrida":

1) No desenvolvimento integrado de políticas sociais, com programas como o Bolsa-Família, o Luz para Todos e muitos outros, visando a eliminação da miséria e da pobreza, e da iníqua desigualdade na distribuição de renda.

2) Na construção de políticas nacionais de saúde, educação e cultura, concebidas como um direito da cidadania e não como um mercado a ser explorado com fins lucrativos, e no debate de uma reforma política adequada aos anseios de ampliação da democracia e consolidação da soberania popular.

3) Na construção de uma política responsável de segurança, que busque tanto a prevenção quanto a contenção do crime, com base no respeito aos direitos humanos inerentes ao exercício da cidadania, e no aprimoramento da capacidade do Estado no combate a corrupção através de seus órgãos competentes, como a Polícia Federal, o Ministério Público e a Corregedoria Geral da União.

4) Na reforma agrária, beneficiando a agricultura familiar e a ocupação produtiva da terra em todas as modalidades de produção.

5) Na recuperação do poder aquisitivo do salário mínimo e na ampliação da participação dos trabalhadores na renda nacional, bem como na construção de políticas de ampliação do emprego regular e digno.

6) No debate de um modelo de desenvolvimento econômico auto-sustentável, com respeito ao meio ambiente e à diversidade de modos de vida que fazem parte da riqueza da sociedade brasileira, e que privilegie a produção ao invés da especulação.

7) Na construção de uma política externa soberana, valorizando o Mercosul, a integração da América do Sul e dos povos da América Latina, o estreitamento das relações com os países africanos e do Terceiro Mundo visando o estabelecimento de bases mais justas para o comércio mundial, ao invés da integração subserviente à globalização conservadora.

8) No debate sobre a necessária democratização dos meios de comunicação, do acesso à construção e usufruto da informação por todos os setores sociais.

9) Nas políticas afirmativas de apoio aos jovens, idosos e de todos os grupos sociais historicamente vítimas de preconceito e discriminação na nossa sociedade.

10) Na recuperação da esfera pública, na reversão das políticas de privatização, da capacidade de investimento e reguladora do Estado, bem como da democratização do debate sobre suas políticas e procedimentos, e do controle social de suas ações, e no debate de uma reforma do judiciário que amplie o alcance a ele, com eficiência, por parte de toda a população.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A velha discussão sobre o significado de direita e esquerda na política

Na era da informação, tempos em que a vida digital se tornou uma constante com a presença das mídias sociais e a interação de pessoas que são diretamente ligadas umas com às outras, onde comentários insensatos e postagens que misturam notícias reais e falsas se acumulam, as pessoas se tornaram presas fáceis para oportunistas que desejam apenas perpetrarem as ideias que os beneficiariam de alguma maneira.  A importância para se investigar a definição política sobre direita e esquerda se explica pelo fato de que a possibilidade de acesso à informação tão rápido, como estamos experimentando na atualidade, proporciona um poder revolucionário ao povo que amedronta os verdadeiros detentores do dinheiro, do capital e do poder. Este é um fato que vem sendo explorado em demasia por políticos e oportunistas dentro da sociedade. A vigência de crises financeiras e morais, onde as pessoas se tornam carentes de justiça, são o tempero necessário para que estas se tornem ainda mais ...

Lesões na caverna

A arte de pensar fez de pessoas comuns, personalidades admiradas ao longo da história. Alguns pensamentos já muito estudados, conhecido de intelectuais, provam cada vez mais o comodismo e a limitação humana que os impede de tirarem as tapas e enxergar o mundo real. A falta de dinamismo e a solidez das opiniões formadas, aliadas a preguiça da busca das informações na sua origem (a verdade), formam os grilhões que até hoje nos forjam, contradizendo nosso "Hino da independência". Quem viu Matrix, imagine quantas pessoas tem coragem de tomar o comprimido da lucidez na vida real? Quem estaria disposto a vomitar ao encarar a realidade?Baseia-se na imprensa que aí está quem quiser. Façam as comparações de números entre os governos quem quiser. Para mim, a alegoria da caverna que é conhecida como um mito, é exatamente a expressão do que vivemos hoje. Platão descreveu entre 380-370 a.C. uma situação cuja humanidade não conseguiu sair, cerca de 2500 anos depois. Será que infelizmente e...

Política e Civismo

Existe uma moda em se dizer que não se gosta de política, justamente porquê esta palavra vem sendo associada a comportamentos imorais e que as pessoas,de maneira geral, abominam. Além de tal pensamento ser um equívoco, não é possível alguém ficar fora ou imune a política vivendo em nosso meio social. E arrisco dizer que, falando de política verdadeira, é difícil uma pessoa que realmente a abomine, como frequentemente se ouve de grande parte das pessoas. Na Grécia antiga as cidades como Atenas, Esparta, Corinto, Tróia, Mileto entre outras, eram independentes e por isso eram chamadas "polis" que significa cidades-estado. A palavra "política" refere-se a algo que se faz relacionado à "polis", ou seja, algo que se faz para a cidade ou ainda para a comunidade. Nesta época, todos os cidadãos se dirigiam até a "ágora" (um tipo de praça central da cidade), discutir e decidir tudo o que era necessário para a cidade. Este sistema era conhecido como ...