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Quando a biografia diz não

Quando a biografia diz não
AYRTON CENTENO
Campanha eleitoral tem mil e uma utilidades. Uma delas é mostrar o que é transformado no que não é. Para isso,
serve-se o candidato de sua capacidade de mimetizar referências positivas. No primeiro turno, apontado nas pesquisas
qualitativas como o “candidato dos ricos”, José Serra metamorfoseou-se no pobre “Zé da Moóca”, o “amigo do Lula”. Mas a
nova identidade não colou. Até seu mentor FHC chiou: “Serra não é Zé, Serra é Serra!” Então, voltou a ser Serra. É do jogo.
Mas, convenhamos, o disfarce deste segundo turno vai além do decoro e do respeito às coisas sabidas e consabidas. Agora,
Serra ou Zé ou Serra é “o homem do bem”. E é, convenhamos, demais até para as regras complacentes das fantasias eleitorais.
Adversários e aliados, esquerda e direita, conservadores e progressistas, todo o mundo da política sabe que Serra, Zé ou
Serra não cabe no novo figurino. “Serra é mais feio na alma do que no rosto”, carimbou Ciro Gomes. Integrante do PSDB até 1996,
portanto ex-companheiro de viagem do tucano, Ciro já declarou que Serra “não tem escrúpulos” e “passaria com um trator até por
cima da mãe”. Acusou-o de ser truculento e de agir destrutivamente. Ele sabe do que fala. A transformação da internet em uma
cloaca nazista, plena de ódio, mentira e preconceito serve como ilustração. Relata a crônica política que sua antiga aliada do PFL,
Roseana Sarney, e seus companheiros de PSDB, os ex-ministros Paulo Renato e Pedro Malan e o senador Tasso Jereissati –
estes três adversários de Serra na disputa interna do PSDB à sucessão presidencial em 2002 – sabem bem como é amarga a condição
de quem se atravessa no caminho do “homem do bem”. Mas um “homem do bem” precisa ter a coragem de assumir o que faz.
Um “homem do bem” precisa dar respostas. E respostas convincentes. Serra, alvo de muitas perguntas, não costuma dá-las.
Precisa explicar, por exemplo, como seu dileto amigo, primo político e ex-sócio, Gregório Marin Preciado, mais conhecido
como “Espanhol”, conseguiu reduzir sua dívida no Banco do Brasil - na época de FHC presidente e Serra ministro - de R$ 448
milhões para apenas R$ 4,1 milhões! Menos de 1% do que devia! Quais dos milhões de credores do BB não gostariam de
um tratamento vip desses? Mas não é para qualquer bico e sim para bico de tucano...Pelo menos, parece que naqueles tempos
era assim. Precisa explicar porque alojou o mesmo Preciado no conselho de administração do Banespa, banco de todos os paulistas,
mais tarde privatizado, segundo o receituário tucano. Não antes do Banespa perder dinheiro grosso em negociações com o dito Preciado.
Precisa explicar como o “Espanhol”, mesmo quebrado, arranjou US$ 3,2 milhões para depositar no exterior, através da conta Beacon Hill,
no banco JP Morgan Chase, em Nova Iorque. Boa parte da bolada favoreceu empresa vinculada a Ricardo Sérgio de Oliveira,
ex-caixa de campanha de Serra e também de FHC, alvo de vários processos por conta das privatizações da Era Tucana.

Um homem do bem precisa ter a coragem de
assumir o que faz. Um homem do bem precisa dar
respostas. E respostas
convincentes. Serra, alvo de muitas perguntas, não
costuma dá-las.”

Serra precisa explicar como e porque seu ex-caixa ajudou o querido primo, antigo sócio e sempre amigo Preciado - este
sem vintém e devendo ao Banco do Brasil - a comprar três estatais de energia elétrica - Coelba, da Bahia, Cosern, do Rio
Grande do Norte, e Celpe, de Pernambuco. Representante da empresa Iberdrola, da Espanha, Preciado conseguiu, sempre
com a mão amiga do ex-caixa de Serra, formar o consórcio Guaraniana que arrematou as três empresas estaduais. E tudo
em sociedade com o BB. Ou seja, deu-se uma mágica segundo a qual um grande devedor do BB tornou-se sócio do próprio
credor para comprar patrimônio público do povo brasileiro!

Precisa explicar porque a maior parte do dinheiro de Preciado trafegou no exterior justamente em anos eleitorais, especialmente
em 2002, quando o amigo, sócio e primo Serra disputou a Presidência contra Lula. Foram US$ 1,5 milhão. Mera casualidade?
Serra deve explicar.
Precisa explicar porque, junto com o primo e então sócio Preciado, desfez-se às pressas de um imóvel que seria penhorado
por dívidas junto ao Banco do Brasil. Teriam praticado aquilo que é conhecido como “fraude pauliana”? Em outras palavras,
fraude contra credor, impedindo-o de se ressarcir do dano sofrido?
Precisa explicar como foi exatamente que sua filha e ex-sócia, Verônica Serra, tornou-se também sócia de outra Verônica,
esta Dantas, irmã do banqueiro Daniel Dantas, na empresa Decidir em Miami. E qual exatamente foi o papel do
banco Opportunity, de Dantas, no financiamento da empresa?
Dantas que, por outra coincidência, arrematou várias estatais na era de ouro da privataria e, em uma de suas últimas aparições
públicas, portava elegantes algemas aplicadas pelo delegado Protógenes Queiroz, da PF.
Precisa explicar porque, durante muitos anos, omitiu das declarações à Justiça Eleitoral sua sociedade com a filha Verônica
na ACP Análise da Conjuntura, firma que operava em São Paulo em imóvel do primo, ex-sócio e amigo Preciado. Por quê?
Precisa explicar a penca de empresas de nomes iguais ou similares como se fosse preciso despistar alguém - abertas por
sua ex-sócia e filha, além do genro Alexandre Bourgeois, no Brasil e em paraísos fiscais.
Precisa explicar porque o alto tucanato abriu tantas empresas em paraísos fiscais do Caribe, notadamente no Citco Building,
em Road Town, nas Ilhas Virgens Britânicas, e coincidentemente no tempo das privatizações. De onde saiu
tanto dinheiro?
Precisa explicar, aliás, onde foi parar mesmo o dinheiro das privatizações?
É árduo senão impossível responder estas perguntas, todas oriundas de reportagens, representações do Ministério Público
Federal, ações judiciais e relatórios de CPIs. Perguntar-lhe também tem sido difícil. Não somente pelo compromisso dos donos
da mídia com o candidato, mas pela sua recorrente reação às raras questões embaraçosas apresentadas pelos repórteres. O
tratamento padrão dado àqueles que dele divergem ou o questionam não ajuda na composição da alegoria de “homem do
bem”. As redações sabem que, na pele de Serra ou Zé, a resposta pode ser igualmente brusca e destemperada. Foi assim nesta semana
e assim tem sido ao longo de toda a campanha. Mas é um momento jornalisticamente revelador porque o candidato
exibe-se inteiro como realmente é: autoritário e prepotente.
O problema de Serra reside em um ponto: a categoria de “homem do bem” não é autoconcedida. Depende dos outros,
de seus juízos e de toda uma história de vida e de escolhas. Do que se fez e do que se deixou de fazer. E do que se está fazendo
exatamente agora.
Serra pode querer ser, por conveniência, o “homem do
bem”. Mas sua biografia diz não.
Serra pode querer ser,
por conveniência, o
homem do bem. Mas
sua biografia diz não.”

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Manchetes tendenciosas

Que a imprensa Brasileira é simpática aos políticos tidos como "centro-direita" é de conhecimento de qualquer cidadão que acompanha o cotidiano político do país. Mas tem alguns meios de comunicação já passaram do ridículo. A revista Veja e o jornal Folha de São Paulo, ambos do Grupo Abril, dão sinais claros de panfletagem barata capazes de jogarem "areia" nos olhos apenas de seus leitores mais alienados. Coisas como as que vejo hoje, cancei de denunciar ao Ombudsman do jornaleco (Marcelo Beraba, jornalista respeitadíssimo), que já deve estar cansado assim como eu. Em algumas oportunidades, o editorial do jornal faz seu `mea culpa´, mas no minuto seguinte está postando outro lixo digno de tablóides marrons. No exemplo de hoje, (apartir de agora vou denunciar aqui neste Blog), o jornaleco posta a seguinte manchete: "Serra venceria Lula, mas diferença está dentro da margem de erro" O Link para conferir é: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u74067.